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Uso de Força Maior do Direito Laboral Moçambicano Face à COVID-19

No âmbito da declaração do Estado de Emergência a 1 de Abril de 2020 pelo Presidente da Republica de Moçambique, muitas restrições e limitações aos direitos dos cidadãos têm vindo a ser implementadas com vista a mitigar a propagação da COVID-19 no país.

A declaração do Estado de Emergência tem tido avultados impactos nos aspectos económicos e sociais, que já se faziam sentir desde que a pandemia da COVID-19 espalhou-se pelo mundo, incluindo a suspensão de actividades económicas, suspensão de contratos de trabalhos e a modificação das suas formas de implementação.

Face aos impactos da COVID-19 no sector empresarial, com enfoque para a área laboral, com o presente artigo pretende-se analisar como ou se os empregadores podem invocar a força maior nos termos da legislação laboral vigente no país para fazer face aos referidos impactos.

Em linhas gerais, notamos que, em direito obrigacional a força maior pode ser entendida como factos externos que se situam fora do alcance da vontade de uma das partes, obrigada a realizar uma certa prestação, impedindo-a do seu cumprimento. Tem como requisito tudo que não pode ser previsto aquando da criação da obrigação, e mesmo que fosse previsto, é sempre aquele acontecimento cujos efeitos não seria possível evitar ou impedir.[1]  

A legislação moçambicana, em particular o Código Civil (CC) e a Lei 23/2007, de 1 de Agosto (LT), não estabelecem a definição de força maior. Não obstante, existem previsões legais na nossa legislação que determinam certas consequências que poderão ter lugar pela verificação desta figura ou dos seus efeitos sobre os contratos.

Nos termos do CC, o n.º 1 do artigo 437°, “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”

Adicionalmente, o artigo 790º do CC preconiza que “A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor”.

Importa notar ainda que, é comum que as partes que desejam celebrar contratos e obter alívio desta figura, a mencionem explicitamente e de per si definam o que constitui força maior no próprio contrato.

Estas definições doutrinárias e consequências legais estabelecidas permitem compreender o que é força maior e o seu funcionamento relativamente às obrigações das partes nos contratos.

Desta forma, relativamente a “causa não imputável ao devedor”, esta seria o facto externo, neste caso o evento que originou a impossibilidade do cumprimento, e a parte que invoca a força maior não deve estar na origem de tal evento ou envolvida na ocorrência do mesmo.

Importa notar também que, nos casos em que a impossibilidade seja temporária, isto é, se tendo em conta a sua finalidade se mantiver o interesse da outra parte, o devedor apenas não responde pela mora do incumprimento (CC, artigo 792.º). Não obstante, e pese embora seja expectável que a COVID-19 seja um evento temporário, os seus efeitos sócio-económicos podem se alastrar no tempo ou até serem permanentes para algumas empresas, sendo que muitas destas já se encontram sem operar há mais de 3 meses, e algumas estão mesmo em processo de encerramento das actividades.

Destacar que, para poder invocar o previsto nos artigos 437.º e 790.º do CC, a parte afectada deve poder provar que o evento ocorrido impede o cumprimento da obrigação contratada. A título de exemplo, as medidas tomadas pelo Governo podem dificultar ou impossibilitar a execução de certos contratos, incluindo contratos de trabalho.

No âmbito da LT, a figura de força maior encontra-se prevista para determinadas situações, entre as quais, no caso da possibilidade de modificação do contrato de trabalho. O artigo 71.º da LT prevê a possibilidade de invocação de força maior para fundamentar a modificação do contrato de trabalho. Esta é uma das situações em que o legislador laboral permite que as partes usem a força maior para justificar uma situação adversa ao inicialmente acordado entre as partes.

Desde a confirmação do primeiro caso positivo da COVID-19 em Moçambique e, em particular, na sequência das medidas de prevenção que foram sendo adoptadas pelo Governo em resultado da declaração do Estado de Emergência, várias são as entidades empregadoras que se viram forçadas a modificar as relações laborais com seus trabalhadores, usando desta prerrogativa que a lei lhes confere para justificar tal modificação.

Uma outra situação prevista na LT em que é possível invocar os impactos sofridos pelo evento de força maior é com relação ao uso do mecanismo de suspensão de contratos de trabalho. O artigo 123.º da LT estabelece que o empregador pode suspender contratos de trabalho por motivos económicos, entendendo-se estes como os resultantes de motivos de mercado, tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham ou venham possivelmente a afectar a actividade normal da empresa ou estabelecimento.

Há que destacar, no entanto, que no âmbito laboral, diferentemente do que pode acontecer em certas circunstâncias no âmbito civil, a ocorrência do evento da força maior não exime totalmente o empregador da sua obrigação. Relativamente a figura de suspensão de contratos, por exemplo, não existe exoneração total da obrigação do empregador, em particular com relação à remuneração dos trabalhadores (nos primeiros três meses), mas sim, uma alteração dessa relação laboral, sendo que as partes ainda mantêm o vínculo laboral.

Adicionalmente, caso a suspensão culmine em despedimento, o empregador é obrigado a indemnizar os trabalhadores, o que não corresponde ao fim e alcance dos artigos 437.º e 790.º do CC que, caso a razão do término contratual, se for o caso, não resulte de motivo imputável à parte que o invoca, devidamente comprovado, isentaria o mesmo da obrigação de indemnização à outra parte.

A nossa LT não permite invocar a figura de força maior com o mesmo alcance que poderia ser feito, em determinadas circunstância, à luz do artigo 790° do CC, o que de alguma forma se percebe tendo em vista a dependência economia dos trabalhadores e os impactos financeiros e sociais que poderiam resultar de situações em que os trabalhadores pudessem, a qualquer momento e sem nenhum suporte remuneratório, ter que arcar com as consequências dos despedimentos e ter que fazer fase à crise.

Entendemos que se mostra imperioso destacar que face as circunstâncias económicas adversas da eventual crise económica, o ideal será que os empregadores, trabalhadores e sindicatos pautem pelo bom senso e boa-fé objectiva, a fim de que nenhuma das partes da relação jurídica laboral, empregador e trabalhador, sejam lesadas, ou que possa haver uma partilha de danos que resulte num menor impacto negativo para as partes, salvaguardando-se assim a subsistência das relações laborais.

[1] Varela, João de Matos Antunes (2013) – Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, Almedina – Coimbra, páginas 66 e 67.