Breve Referência ao Contrato de Franquia
Com a revisão e autonomização do Livro Terceiro do anterior Código Comercial (“CCom”) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 2/2005, de 27 de Dezembro, e sua transformação em regime jurídico dos Contratos Comerciais, através do Decreto-Lei n.º 3/2022 de 25 de Maio (“DL 3/2022”), o qual entrou em vigor em Setembro de 2022, foram introduzidos diversos novos tipos de contratos comerciais, de entre os quais, no presente artigo, destacaremos o Contrato de Franquia, ou Contrato de “Franchising”.
Como nota preliminar, importa referir que, não obstante o Contrato de Franquia consubstanciar um contrato nominado por expressamente ser mencionado na Lei n.º 3/93 de 24 de Junho – Lei de Investimento em Moçambique, até à revisão do CCom, o Contrato de Franquia era classificado, no nosso ordenamento jurídico, como sendo um contrato legalmente atípico, totalmente filiado à vontade das partes, visto que carecia de uma regulamentação própria. Por este motivo, poder-se-ia pensar que o Contrato de Franquia existe sob o domínio da autonomia privada e da liberdade contratual, pelo que as partes, dentro dos limites da lei, poderiam livremente dispor e modelar o seu conteúdo, conforme a sua vontade.
No âmbito do direito comparado, verificou-se que, na maioria dos Estados-Membros da União Europeia, o Contrato de Franquia é legalmente atípico e socialmente típico (por ser uma prática social reiterada e quase homogénea, no comércio jurídico). No entanto, na Espanha, assim como na Itália, já existem definições legais de franchising, sendo que em outros países, tal é o caso de Portugal, aplicam-se por analogia as disposições do contrato de agência, conforme o Código Europeu de Deontologia, que visa estabelecer um conjunto de regras essenciais de boa conduta e de bons costumes dirigidas àqueles que operam o franchising na Europa.
O DL 3/2022, no seu artigo 403, define o Contrato de Franquia como sendo a “convenção mediante a qual, uma parte, o franqueador, concede à outra, o franqueado, e mediante retribuição, o direito de desenvolver por sua conta e risco, uma actividade económica no âmbito da rede de franquias do primeiro”. Este contrato concede ao franqueado o direito de explorar um conjunto de direitos de propriedade industrial ou intelectual relativos a marcas, designações comerciais, insígnias comerciais, modelos de utilidade, desenhos, direitos de autor, saber-fazer (know-how) ou patentes, a explorar para a revenda de produtos ou para a prestação de serviços.
O Decreto supra citado contem uma noção mais clara e objectiva do Contrato de Franquia, noção esta que alberga de forma precisa o papel dos intervenientes na relação jurídica. Enquanto, por um lado, o franqueador deve conceder ao franqueado o direito de usar os direitos de propriedade intelectual na medida necessária para desenvolver a actividade de franquia, o franqueado, por sua vez, deve fazer tudo o que for razoável para garantir a utilização pacífica e continua dos direitos de propriedade intelectual.
O DL 3/2022 dispõe igualmente que o franqueador deve informar o franqueado nos termos previstos para o contrato de distribuição, sobre as condições do mercado, os resultados comerciais da rede de franquias, as características e condições de venda e fornecimento de produtos, entre outros.
Nesta regulamentação, estão igualmente incluídos deveres pré-contratuais de informação na franquia, relativamente aos múltiplos aspectos do negócio, tais como sobre a empresa e experiência do franqueador, os direitos de propriedade intelectual relevantes, as características relevantes do know-how, o sector comercial em que opera, bem como as respectivas condições de trabalho, o método específico da franquia e o seu funcionamento, a estrutura e escopo da rede de franquias, as comissões royalties ou outros pagamentos periódicos, entre outras condições de contrato.
Neste Regime de Contratos Comerciais, o Contrato de Franquia encontra-se regulado na secção dos contratos de distribuição. Não obstante o facto de que parte da doutrina é do entendimento de que o contrato de distribuição é uma figura distinta do Contrato de Franquia e não necessariamente umas das formas de contrato de distribuição[1], o nosso legislador entendeu que, atendendo a critérios económicos e jurídicos, o franchising pode classificar-se de diversas formas, cabendo na definição do n.º 2 do artigo 403, a franquia de produção ou industrial, a franquia de distribuição ou de produtos e a franquia de serviços, o que resultou no enquadramento do Contrato de Franquia na secção dos contratos de distribuição.
Do nosso ponto de vista, dúvidas não subsistem que a introdução deste tipo contratual no nosso ordenamento jurídico constitui um avanço e mais uma forma eficaz de comercialização de produtos, mercadorias e serviços, proporcionando ao franqueado uma forma mais célere e juridicamente segura de constituir um negócio próprio, sob resguardo de uma marca de renome.
Realçamos que um factor a ter em especial consideração é de que por ser um contrato complexo, é sempre recomendável obter junto de pessoas especializadas todos os esclarecimentos quanto ao alcance das normas aí expressas, sob o risco de má interpretação das cláusulas que compõem um Contrato de Franquia e consequentemente resultar em prejuízos para uma das partes que celebrar o contrato, pois carece de uma formulação atenta e equilibrada no sentido de acautelar as posições e interesses de ambas as partes. Sendo a autonomia e independência do franquiado um elemento naturalmente presente e resultante do Contrato de Franquia, deve primar-se, no momento da elaboração do contrato e durante a sua vigência, por um equilíbrio entre a sujeição ao controlo e a autonomia.
[1] PEREIRA BARROCAS, MANUEL, “Contrato de “franchising””, Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, Abril, 1989, cit.: p. 135.