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Contrato Promessa de Compra e Venda de Bens Imóveis: o Efeito da Eficácia Real Versus o Registo Predial

A 26 de Junho de 2018 foi aprovado pelo Conselho de Ministros o Decreto-Lei n.º 2/2018 de 23 de Agosto de 2018, que revoga o Código de Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47.611, de 28 de Março de 1967 (doravante o “CRP”) tendo aquele entrado em vigor a 21 de Novembro de 2018. O CRP trouxe consigo algumas alterações que merecem análise e aprofundamento. No entanto, o presente artigo tem como foco a análise do efeito da eficácia real versus o registo predial em relação ao contrato promessa de compra e venda de bens imóveis, tanto os prédios rústicos como os urbanos.

Como nota geral, o Código Civil Moçambicano (“CC”), embora não formule o conceito de coisas imóveis, enumera as coisas que se consideram imóveis, dentre estes os prédios rústicos e urbanos. Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica e por prédio urbano qualquer edifício no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro (vide n.º 1 e 2 Artigo 204 do CC). É de referir que o regulamento da Lei de Terras e o regulamento do Solo Urbano acrescentam a  esta definição  a indicação da fonte principal de rendimento do prédio.

A compra e venda de bens imóveis só é válida se for celebrado por escritura pública, ou seja, a forma a ser respeitada para a transmissão de propriedade de bens imóveis é a de escritura pública. Na inobservância da forma legalmente estabelecida, a venda de bens imóveis é nula (vide artigos 220 e 875 do CC). Nota-se ainda que a compra e venda de bens imóveis aqui mencionada está sujeita a registo predial (vide alínea b do Artigo 2 do CRP) para efeitos de publicidade.

O contrato promessa de compra e venda de bens imóveis (“CPCV”) não se encontra adstrito a obrigação de forma acima mencionada (vide n.º 1 do Artigo 410 do CC), isto porque o contrato  promessa somente cria a obrigação de contratar, ou seja, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido. É importante referir de forma breve que o CPCV é passível de execução específica, isto é, se uma das partes do CPCV não cumprir com a promessa, pode a outra parte obter sentença que produza efeitos de declaração negocial do faltoso (vide número 1 do Artigo 830 do CC). No entanto, podem as partes, querendo atribuir eficácia real ao CPCV de bens imóveis, celebrar o referido contrato promessa por escritura pública (vide artigo 413 do CC e alínea k do artigo 85 do Código do Notariado). Porém o mesmo Artigo 413 do CC determina que para que o CPCV com eficácia real produza efeitos em relação a terceiros deve ser registado na Conservatória de Registo Predial (“Conservatória”) competente. Assim sendo, tendo em consideração estes aspectos, torna-se necessário cumprir com os seguintes requisitos para garantir oponibilidade do CPCV em relação a terceiros, nomeadamente: (i) o CPCV ser lavrado por  escritura pública; (ii) atribuição expressa de eficácia real ao CPCV; e (iii) registo do CPCV na Conservatória.

Sucede que o CRP trouxe consigo uma excepção à obrigatoriedade de registo do CPCV com eficácia real (vide ponto iv, alínea a) do n.º 1 do Artigo 10 do CRP), sendo que deixa de ser obrigatório o registo da escritura pública do CPCV. Apesar de esta reforma visar reduzir os custos inerentes e tornar mais flexível a transacção da promessa, surge a questão de se saber se o CPCV com eficácia real garante o mesmo nível de segurança do comércio jurídico que o registo predial proporciona. Vejamos brevemente alguns aspectos que a lei, doutrina e jurisprudência dispõem quanto a esta matéria:

  • O Artigo 413 do CC já referido acima, elenca os requisitos que devem ser cumulativamente cumpridos para assegurar que o CPCV tenha eficácia real e seja oponível a terceiros (i.e., produção de efeitos do CPCV em relação a terceiros): (i) o CPCV ser lavrado por escritura pública; (ii) atribuição expressa de eficácia real ao CPCV; e (iii) registo do CPCV na Conservatória.
  • O Artigo 1 do CRP estabelece que a finalidade do registo é dar publicidade à situação jurídica dos prédios, visando a segurança do comércio jurídico, sendo esta a condição de eficácia dos actos sujeitos a registo predial perante terceiros.
  • O n.º 1 do Artigo 6 do CRP determina que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo. Terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente (Ministério da Justiça Assuntos Constitucionais e Religiosos, CRP anotado e comentado: 2022:34).
  • De acordo com Lima e Varela (1987:386 – 387), admite-se, porém, que a promessa de alienação ou oneração de bens imóveis, (...), produza efeitos em relação a terceiros desde que se verifiquem os seguintes pressupostos: a) constar a promessa de escritura pública; b) pretenderem as partes atribuir-lhe eficácia real; c) estarem inscritos no registo os direitos emergentes da promessa. Preenchido este condicionalismo, (...) equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de aquisição).

Considerando os pontos discutidos acima, e embora o CPCV com eficácia real, excepcionalmente, nos termos do CRP não esteja sujeito a registo obrigatório, entendemos que este acto deve continuar a ser levado a cabo pelo promitente comprador do respectivo bem imóvel, de modo a garantir maior segurança ao comércio jurídico, para que todos os interessados tenham conhecimento e possam avaliar os ónus registados sobre o mesmo em relação ao seus próprios interesses.