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Insights

Deveres dos Administradores das Sociedades:Negócios com Sociedade vs Transparência e Boa governação

A 4 de Maio de 2018 entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 1/2018, que altera parcialmente o Código Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 2/2005, de 27 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 2/2009, de 24 de Abril (doravante, o CCom”). Dentre as alterações efectuadas pretende-se com o presente artigo destacar a alteração do Artigo 150 do CCom referente aos deveres dos administradores e, em particular, o dever de não contratar com a sociedade.

A antiga redacção do Artigo 150 do CCom limitava-se a fazer referência ao dever de diligência dos administradores, ou seja, apenas estabelecia que os administradores deveriam agir de forma criteriosa e coordenada no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores. Na nova redacção do Artigo 150 do CCom, para além de manter o conteúdo da redacção anterior aqui referido, procurou criar uma norma geral onde estão congregadas várias regras aplicáveis aos administradores de todos os tipos societários, conforme se segue:

  • O n.º 2 do Artigo 150 do CCom impõe aos administradores a proibição de concorrência contra a sociedade. Notamos que esta proibição anteriormente só era prevista para as sociedades por quotas (Artigo 324) e sociedades anónimas (Artigo 428). Deste modo, está vedado o exercício pelos administradores das actividades abrangidas pelo objecto social da sociedade, excepto se a actividade já era exercida antes da respectiva nomeação e a mesma seja do conhecimento dos sócios, ou se a actividade tiver sido previamente autorizada por estes.
  • O n.º 3 do Artigo 150 do CCom determina a proibição do administrador celebrar contratos com a sociedade na qual ele ocupa o referido cargo, bem como obter garantias da sociedade e suas obrigações, receber pagamentos por conta de obrigações pessoais contraídas ou receber adiantamentos de mais de um mês de remuneração mensal. São ainda proibições aplicáveis aos administradores, nos termos do n.º 3 do Artigo 150 do CCom, obter empréstimos ou conceder empréstimos, recursos ou bens da sociedade em proveito próprio ou de terceiros, sem o consentimento prévio dos sócios; receber vantagens de terceiros pelo exercício do cargo; praticar liberalidades à custa da sociedade sem o consentimento dos sócios, ou aproveitar vantagens, para si mesmo ou para outrem, à custa de ter deixado de aproveitar oportunidade de negócio do interesse da sociedade.

Com relação à proibição de contratar com a sociedade, note-se que anteriormente esta proibição já existia, no entanto, estava expressamente prevista apenas em relação as sociedades anónimas (n.º 1 do Artigo 427 do CCom), o que possibilitava que um administrador de uma sociedade por quotas ou outro tipo societário pudesse celebrar contratos, incluindo para prestação de serviços ou fornecimento de bens, com a própria sociedade, com o risco de aplicação de preços sobrevalorizados, assim como de sobrepor os seus interesses individuais aos da sociedade, pondo em causa a transparência e boa governação necessárias às sociedades.

Esta alteração embora seja uma mais-valia no sentido de contribuir para uma maior transparência na gestão da sociedade, entendemos que a redacção poderia acautelar possíveis excepções para cobrir situações, por exemplo, em que este administrador (directamente ou através de sociedade em que o administrador seja sócio, ou por intermediários em que o administrador seja igualmente beneficiário) é a única opção disponível para prestar determinado serviço ou fornecer determinados bens à sociedade, ou nos casos em que o administrador seja a melhor opção em termos de custo e qualidade para o negócio da sociedade.

Notamos, no entanto, que o Artigo 427 do CCom aplicável às sociedades anónimas contém algumas excepções à proibição de negócios entre o administrador e a sociedade. Desta feita, entendemos que numa análise casuística e estando reunidos os mesmos requisitos, estas disposições poderão se aplicar, por analogia, às demais sociedades. As referidas excepções determinam o seguinte:

  • a proibição de contratar (ou nulidade do respectivo contrato) não se aplica nos casos em que tenham sido previamente autorizados por deliberação do conselho de administração, no qual o administrador interessado não deve votar, com parecer favorável do conselho fiscal ou fiscal único (o que, ao nosso entender, pode ser substituído por auditor externo, nos casos em que tal órgão não exista);
  • a proibição de contratar também não se aplicará nos casos em que o acto se enquadre no próprio comércio da sociedade e nenhuma vantagem especial seja obtida pelo administrador.

O administrador é uma figura central de qualquer sociedade. A sua diligência e conduta transparente na gestão da sociedade são necessárias para a salvaguarda dos diferentes interesses das sociedades, que não são apenas os interesses dos sócios, mas também interesses dos trabalhadores, dos credores da sociedade, de terceiros com quem a sociedade desenvolve transacções, e do próprio Estado. Daí que, a melhor definição dos seus deveres e proibições no Código Comercial, que é o principal instrumento legal de governação das sociedades, assim como o reforço de situações que possibilitem maior transparência, é algo relevante e necessário.

Note-se ainda que, cumprir com estas regras será também do interesse dos próprios administradores, se tivermos em conta que, nos termos do n.º 1 do Artigo 160 do CCom os administradores respondem para com a sociedade pelos seus actos e omissões praticados em violação dos seus deveres legais e estatutários, salvo se provarem que agiram sem culpa.

Considerando os pontos discutidos acima, entendemos que as alterações ao CCom referentes aos deveres dos administradores representam uma mais-valia e têm influência na boa governação das sociedades comerciais, na medida em que conferem maior transparência na gestão assim como ajudarão no combate a práticas de aproveitamentos ilícitos. Contudo, entendemos que há certos pontos que poderiam também ser acautelados, nomeadamente e com relação à proibição específica de negócios com a sociedade, poderiam estar melhor salvaguardadas possíveis excepções, atendendo que existirão situações que justificarão tal contratação. Não obstante e enquanto tal não é feito de forma expressa, entendemos que se pode aproveitar das excepções consagradas para as sociedades anónimas, por analogia e com as necessárias adaptações.